segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Coerência política marca percurso de Boaventura de Sousa Santos

Pensamento e percurso do notável sociólogo português são celebrados na Universidade de Brasília em solenidade de outorga de título Doutor Honoris Causa e na Aula da Inquietação

Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB

Boaventura de Sousa Santos é um daqueles nomes que se inscrevem na seleta galeria dos notáveis pensadores. Admirado não apenas por sua inegável estatura intelectual,  vasta produção acadêmica e recorrente presença tanto em espaços críticos na mídia quanto em fóruns no mundo todo, o sociólogo português prima por sua coerência política em uma vida a serviço da democracia, movimentos sociais, acesso à justiça e da igualdade e soberania dos povos.
Figura assídua no Brasil e na Universidade de Brasília, na qual vem inspirando pensamentos e gerações, Boaventura ocupará duplamente a cena universitária com suas palavras, ensinamentos e provocações. Na segunda-feira, 29 de outubro, às 18h30, o sociólogo receberá o título Doutor Honoris Causa, no Memorial Darcy Ribeiro. No dia seguinte, 30, será protagonista da Aula da Inquietação, às 10h. Leia mais aqui.

Convidado para prestigiar a cerimônia de outorga da honraria, a qual contará com a presença da filósofa Marilena Chauí, que fará a saudação de Boaventura, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que “a decisão da Universidade de honrá-lo com tamanha distinção faz justiça à trajetória deste querido amigo, um intelectual engajado na defesa da justiça social e dos Direitos Humanos em Portugal e no mundo e à altura do prestígio da UnB”. Por ter outra agenda, lamentou não poder participar da solenidade, pedindo ao reitor José Geraldo de Sousa Júnior que “envie ao querido Boaventura os parabéns pela homenagem, junto com um afetuoso abraço”.

“Boaventura é a própria expressão do pensamento inquieto”, afirma o reitor, parceiro há longa data de suas bandeiras e ideais associados à Justiça, Educação e Direitos Humanos. “Nos últimos anos, é a principal referência nos campos teóricos de Política, Ciência e Direito, sem dúvida um protagonista na revisão dos paradigmas da sociedade, da justiça e do conhecimento da realidade”, complementa.
COTAS – Referência internacional nas áreas de Ciências Sociais e de Direitos Humanos e com participação ativa em importantes congressos brasileiros, especialmente as edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, seu ideário e marcos teóricos têm assumido grande repercussão especialmente por guardarem estreita relação e coerência com a sua própria prática – uma ação efetivamente voltada ao fortalecimento dos movimentos populares como instância essencial ao controle democrático da sociedade e à mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e da democratização da Justiça e do Direito. 

Um recente e polêmico episódio ilustra bem o quanto Boaventura de Sousa Santos tem seu percurso marcado pela conjugação exemplar de teoria e ação, no sentido de o que defende de modo irrestrito acaba por influenciar e interferir em ações políticas, resultando em medidas concretas, socialmente transformadoras. Foi o caso da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da constitucionalidade das cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Conforme aponta o reitor José Geraldo, o artigo “Justiça social e justiça histórica” foi um balizador nas discussões que acompanharam a questão, acrescentando como a ministra Cármen Lúcia incorporou esses argumentos em seu voto. Para Boaventura, “a proposta de situar o juízo de constitucionalidade no horizonte da fraternidade representa uma importante inovação no discurso do STF. Mas assim como o debate sobre a adopção de acções afirmativas baseadas na cor da pele não pode ser dissociado do modo como a sociedade brasileira se organizou racialmente, o debate sobre a concretização da Constituição não pode desprezar as circunstâncias históricas nas quais ela se insere”. Leia aqui o texto de Boaventura. 

ADVOCACIA POPULAR – “Boaventura é um intelectual raro, e coerência é o que o melhor caracteriza, já que não deixa de levar para a prática tudo o que defende e propõe. Seu grande mérito é justamente utilizar sua admirável teoria de Direito e Justiça a serviço dos movimentos sociais”. A afirmação é de Flavia Carlet, discípula confessa do sociólogo, atualmente à frente da Ouvidoria da Universidade de Brasília. 

Sua militância em Democratização da Justiça e no grupo de pesquisas Direito Achado na Rua a aproximou do pensador português, especialmente após sua pesquisa no mestrado intitulada “Advocacia Popular e as práticas jurídicas e sociais no acesso ao direito e à justiça aos movimentos sociais de luta pela terra”, sob a orientação de José Geraldo e “co-orientação informal” de Boaventura de Sousa Santos. Explica: “Tive a oportunidade maravilhosa de, um pouco antes da defesa, ser selecionada com uma bolsa, onde pude discutir os resultados da minha pesquisa com o professor Boaventura, na Universidade de Coimbra”. 

Três anos antes, em 2007, deu-se o primeiro contato com o mestre, também na mesma Universidade – onde é professor catedrático –, quando estagiou no Observatório de Justiça Portuguesa, desenvolvendo com ele o estudo que resultou em sua pesquisa de mestrado. Neste ano, Flávia Carlet prossegue com seu percurso como acadêmica e militante, estando comprometida com o doutoramento na Universidade de Coimbra, associada ao Programa Direito, Justiça e Cidadania no século 21, idealizado por Boaventura. Outro exemplo de sua parceria ideológia e intelectual com Boaventura está no artigo assinado em conjunto com o sociólogo: The Landless Rural Workers’ Movement and its Legal and Political Strategies for Gaining Access to Law and Justice in Brazil, em 2008.
“São seus marcos teóricos e a sua admirável prática que me movem e me inspiram. Quem pesquisa Direitos Humanos no Brasil, na América Latina, na Europa, ou em qualquer outra parte do mundo, necessariamente tem de se valer de suas brilhantes e densas teorias”, acrescenta Flávia. Para ela, uma imensa contribuição do sociólogo está na conscientização das classes populares sobre a desigualdade e a violações de direitos, “e Boaventura nos desafia a pensar na tarefa imperativa da revolução democrática da justiça e na concepção emancipatória do acesso ao direito por parte dos movimentos populares, como negros, mulheres, índios, sem-terra, quilombolas, entre outros marginalizados”. 

SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS – Um de seus encorpados pensamentos que empreendem uma revisão dos paradigmas das Ciências Sociais se dedica ao que chama de “sociologia das emergências”, na qual defende que “a experiência social em todo mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante, e como essa riqueza social está a ser desperdiçada”. Segundo Boaventura, “para combater o desperdício da experiência social, não basta propor um outro tipo de ciência social. Mais do que isso, é necessário tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos para lhes dar credibilidade”.
Além da defesa irrestrita dos Direitos Humanos a serviço de uma política progressista, da democratização da Justiça e do fortalecimento dos movimentos sociais nos espaços decisórios, Boaventura tem-se destacado em suas incisivas críticas à hegemonia econômica neoliberal e uma agenda globalizante que privilegia o mercado em detrimento do Estado e do individual sobre o coletivo, empreendendo ainda recorrentes proposições acerca de uma reforma democrática e emancipatória da Universidade.

PENSAMENTO NOVO – Um outro importante par político e intelectual de Boaventura também se diz honrado e orgulhoso de sua interlocução com o sociólogo. O senador, professor e ex-reitor da UnB, Cristovam Buarque, confere ao intelectual a importância de integrar “um grupo de pensadores e intelectuais que conseguem pensar o novo de modo novo, que ultrapassa aquele modo tradicional e antigo de enxergar o mundo em dois grandes blocos – um conservador e outro progressista”. 

Segundo Cristovam, Boaventura “pensa o novo de modo novo em um mundo globalizado não mais dividido entre União Soviética e Estados Unidos, não mais marcado pela queda do muro em Berlim, um mundo onde os trabalhadores já participam do mercado e foram cooptados pelo sistema”. Entrevistado por telefone, o senador, cumprindo agenda política em Niterói, Rio de Janeiro, aproveitou para contar que – não à toa – encontrava-se, naquele momento, em uma livraria justamente às voltas com muitos dos admiráveis, inquietantes e iluminadores livros de Boaventura de Sousa Santos. 

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