Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Boaventura de
Sousa Santos é um daqueles nomes que se inscrevem na seleta galeria dos
notáveis pensadores. Admirado não apenas por sua inegável estatura
intelectual, vasta produção acadêmica e recorrente presença tanto em
espaços críticos na mídia quanto em fóruns no mundo todo, o sociólogo
português prima por sua coerência política em uma vida a serviço da
democracia, movimentos sociais, acesso à justiça e da igualdade e
soberania dos povos.
Figura assídua no Brasil e na
Universidade de Brasília, na qual vem inspirando pensamentos e gerações,
Boaventura ocupará duplamente a cena universitária com suas palavras,
ensinamentos e provocações. Na segunda-feira, 29 de outubro, às 18h30, o
sociólogo receberá o título Doutor Honoris Causa, no Memorial Darcy Ribeiro. No dia seguinte, 30, será protagonista da Aula da Inquietação, às 10h. Leia mais aqui.
Convidado
para prestigiar a cerimônia de outorga da honraria, a qual contará com a
presença da filósofa Marilena Chauí, que fará a saudação de Boaventura,
o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que “a
decisão da Universidade de honrá-lo com tamanha distinção faz justiça à
trajetória deste querido amigo, um intelectual engajado na defesa da
justiça social e dos Direitos Humanos em Portugal e no mundo e à altura
do prestígio da UnB”. Por ter outra agenda, lamentou não poder
participar da solenidade, pedindo ao reitor José Geraldo de Sousa Júnior
que “envie ao querido Boaventura os parabéns pela homenagem, junto com
um afetuoso abraço”.
“Boaventura é a própria
expressão do pensamento inquieto”, afirma o reitor, parceiro há longa
data de suas bandeiras e ideais associados à Justiça, Educação e
Direitos Humanos. “Nos últimos anos, é a principal referência nos campos
teóricos de Política, Ciência e Direito, sem dúvida um protagonista na
revisão dos paradigmas da sociedade, da justiça e do conhecimento da
realidade”, complementa.
COTAS –
Referência internacional nas áreas de Ciências Sociais e de Direitos
Humanos e com participação ativa em importantes congressos brasileiros,
especialmente as edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, seu
ideário e marcos teóricos têm assumido grande repercussão especialmente
por guardarem estreita relação e coerência com a sua própria prática –
uma ação efetivamente voltada ao fortalecimento dos movimentos populares
como instância essencial ao controle democrático da sociedade e à
mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e da
democratização da Justiça e do Direito.
Um recente e
polêmico episódio ilustra bem o quanto Boaventura de Sousa Santos tem
seu percurso marcado pela conjugação exemplar de teoria e ação, no
sentido de o que defende de modo irrestrito acaba por influenciar e
interferir em ações políticas, resultando em medidas concretas,
socialmente transformadoras. Foi o caso da decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) no julgamento da constitucionalidade das cotas raciais
para ingresso nas universidades públicas.
Conforme
aponta o reitor José Geraldo, o artigo “Justiça social e justiça
histórica” foi um balizador nas discussões que acompanharam a questão,
acrescentando como a ministra Cármen Lúcia incorporou esses argumentos
em seu voto. Para Boaventura, “a proposta de situar o juízo de
constitucionalidade no horizonte da fraternidade representa uma
importante inovação no discurso do STF. Mas assim como o debate sobre a
adopção de acções afirmativas baseadas na cor da pele não pode ser
dissociado do modo como a sociedade brasileira se organizou racialmente,
o debate sobre a concretização da Constituição não pode desprezar as
circunstâncias históricas nas quais ela se insere”. Leia aqui o texto de Boaventura.
ADVOCACIA POPULAR –
“Boaventura é um intelectual raro, e coerência é o que o melhor
caracteriza, já que não deixa de levar para a prática tudo o que defende
e propõe. Seu grande mérito é justamente utilizar sua admirável teoria
de Direito e Justiça a serviço dos movimentos sociais”. A afirmação é de
Flavia Carlet, discípula confessa do sociólogo, atualmente à frente da
Ouvidoria da Universidade de Brasília.
Sua
militância em Democratização da Justiça e no grupo de pesquisas Direito
Achado na Rua a aproximou do pensador português, especialmente após sua
pesquisa no mestrado intitulada “Advocacia Popular e as práticas
jurídicas e sociais no acesso ao direito e à justiça aos movimentos
sociais de luta pela terra”, sob a orientação de José Geraldo e
“co-orientação informal” de Boaventura de Sousa Santos. Explica: “Tive a
oportunidade maravilhosa de, um pouco antes da defesa, ser selecionada
com uma bolsa, onde pude discutir os resultados da minha pesquisa com o
professor Boaventura, na Universidade de Coimbra”.
Três
anos antes, em 2007, deu-se o primeiro contato com o mestre, também na
mesma Universidade – onde é professor catedrático –, quando estagiou no
Observatório de Justiça Portuguesa, desenvolvendo com ele o estudo que
resultou em sua pesquisa de mestrado. Neste ano, Flávia Carlet prossegue
com seu percurso como acadêmica e militante, estando comprometida com o
doutoramento na Universidade de Coimbra, associada ao Programa Direito,
Justiça e Cidadania no século 21, idealizado por Boaventura. Outro
exemplo de sua parceria ideológia e intelectual com Boaventura está no
artigo assinado em conjunto com o sociólogo: The Landless Rural Workers’ Movement and its Legal and Political Strategies for Gaining Access to Law and Justice in Brazil, em 2008.
“São
seus marcos teóricos e a sua admirável prática que me movem e me
inspiram. Quem pesquisa Direitos Humanos no Brasil, na América Latina,
na Europa, ou em qualquer outra parte do mundo, necessariamente tem de
se valer de suas brilhantes e densas teorias”, acrescenta Flávia. Para
ela, uma imensa contribuição do sociólogo está na conscientização das
classes populares sobre a desigualdade e a violações de direitos, “e
Boaventura nos desafia a pensar na tarefa imperativa da revolução
democrática da justiça e na concepção emancipatória do acesso ao direito
por parte dos movimentos populares, como negros, mulheres, índios,
sem-terra, quilombolas, entre outros marginalizados”.
SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS –
Um de seus encorpados pensamentos que empreendem uma revisão dos
paradigmas das Ciências Sociais se dedica ao que chama de “sociologia
das emergências”, na qual defende que “a experiência social em todo
mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou
filosófica ocidental conhece e considera importante, e como essa
riqueza social está a ser desperdiçada”. Segundo Boaventura, “para
combater o desperdício da experiência social, não basta propor um outro
tipo de ciência social. Mais do que isso, é necessário tornar visíveis
as iniciativas e os movimentos alternativos para lhes dar
credibilidade”.
Além da defesa irrestrita dos
Direitos Humanos a serviço de uma política progressista, da
democratização da Justiça e do fortalecimento dos movimentos sociais nos
espaços decisórios, Boaventura tem-se destacado em suas incisivas
críticas à hegemonia econômica neoliberal e uma agenda globalizante que
privilegia o mercado em detrimento do Estado e do individual sobre o
coletivo, empreendendo ainda recorrentes proposições acerca de uma
reforma democrática e emancipatória da Universidade.
PENSAMENTO NOVO –
Um outro importante par político e intelectual de Boaventura também se
diz honrado e orgulhoso de sua interlocução com o sociólogo. O senador,
professor e ex-reitor da UnB, Cristovam Buarque, confere ao intelectual a
importância de integrar “um grupo de pensadores e intelectuais que
conseguem pensar o novo de modo novo, que ultrapassa aquele modo
tradicional e antigo de enxergar o mundo em dois grandes blocos – um
conservador e outro progressista”.
Segundo
Cristovam, Boaventura “pensa o novo de modo novo em um mundo globalizado
não mais dividido entre União Soviética e Estados Unidos, não mais
marcado pela queda do muro em Berlim, um mundo onde os trabalhadores já
participam do mercado e foram cooptados pelo sistema”. Entrevistado por
telefone, o senador, cumprindo agenda política em Niterói, Rio de
Janeiro, aproveitou para contar que – não à toa – encontrava-se, naquele
momento, em uma livraria justamente às voltas com muitos dos
admiráveis, inquietantes e iluminadores livros de Boaventura de Sousa
Santos.
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